domingo, 30 de agosto de 2015

Com quase 300 anos de história, a Rua do Rosário em Luziânia sucumbe ao descaso, ao abandono e ao desinteresse das autoridades, perdendo seu valor e riquezas históricas

PATRIMÔNIO EM RUÍNAS
Casarão Falecido DJ. Oliveira
- Com quase 300 anos de história, a Rua do Rosário de Luziânia sucumbe ao descaso, ao abandono e ao desinteresse das autoridades, perdendo seu valor e riquezas históricas

Texto e fotos: Camila Meireles

Ruas de pedra, monumentos históricos, igreja centenária construída pelos escravos, casarões imponentes erguidos com madeira nobre, telhas e ladrilhos importados trazidos da corte para o Brasil. Assim era o cenário da cidade de Santa Luzia há quase 300 anos atrás. Santa Luzia, atual Luziânia, tem suas origens em 1746 quando Antônio Bueno de Azevedo, paulista de Atibaia, comandando uma bandeira vinda de Paracatu-MG descobriu jazidas de ouro no Rio Vermelho. A descoberta atraiu um grande número de pessoas para o povoado. O vilarejo que contava com cerca de 10 mil habitantes na época da mineração, transformou-se em Luziânia, a segunda maior cidade do Estado de Goiás, hoje com 160 mil habitantes.
Uma cidade sobrevivente ao período da colonização do Brasil. Um reduto histórico e cultural, patrimônio da humanidade, berço de uma civilização formada a partir da colonização exploratória de seus povos, da união de três raças, que testemunhou o nascimento de uma nova sociedade e ajudou a escrever a história do Brasil. Luziânia, cidade colonial, já não existe mais. O último reduto remanescente ao período colonial e um dos mais ricos acervos da cidade é a Rua do Rosário, via centenária composta por casarões tombados por lei municipal ou estadual. Porém, de 41 casarões preservados, restam apenas 29. Monumentos e casas que fazem parte da história do Brasil, além da paisagem e da cultura estão a cada dia que passa entregues à própria sorte (foto 1), às ações destruidoras do tempo, do abandono e do descaso político pelo setor. O que se observa é que manter a preservação da história do município custa caro. Sem dinheiro para manter os casarões e custear as restaurações, de nada adiantam as leis que os protegem. Segundo o Jornal G1 do Globo.com, o promotor de defesa do Patrimônio Público e Ambiental do MPGO em Luziânia Ricardo Rangel, disse que já houve quatro propostas de medidas cautelares e ações civis públicas em defesa dos imóveis históricos da cidade, mas a prefeitura nunca tomou nenhuma atitude. Há mais de um ano, o Ministério Público de Goiás propôs uma ação civil pública contra a prefeitura pedindo o fim do tráfego de veículos pela Rua do Rosário. Como não há fiscalização efetiva, a lei não é respeitada. A população afirma que as casas tremem quando passam veículos de grande porte ou algum carro de som. Há casas tão fragilizadas e acabam até por caírem sozinhas.
O curioso é que ronda um mistério em torno de quem é o responsável pela manutenção e preservação dos casarões históricos do centro da cidade. IPHAN, governo do estado, AGEPEL, governo do município? É o famoso jogo de empurra-empurra. Ninguém admite ter responsabilidade neste âmbito e quando admite, afirmam não ter verba para ajudar nas restaurações.


Desta forma, a incumbência de conservar os casarões acaba sendo dos próprios proprietários. Um dos casarões mais antigos da cidade, que pertenceu a Delfino Meireles e Maria Alves Roriz está lindamente preservado (foto 2), graças a atual proprietária e neta do casal Rosilda Meireles Leite. “Infelizmente, não recebemos nenhuma ajuda financeira do governo ou de nenhum outro órgão responsável por tombamento. Eu restaurei, preservei o estilo da casa sem nenhum incentivo governamental. Fiz questão em conservar por ter sido uma casa de família, mas já existem várias por aqui completamente descaracterizadas”, conta Rosilda. E ela acrescenta: “É possível conseguir isenção de IPTU do imóvel. Neste caso, a pessoa deve entrar com um processo na prefeitura, pagar taxas de expediente, tirar cópias da escritura e dos documentos do Ministério Público referentes ao tombamento. Porém, muitas vezes este processo acaba ficando mais caro do que o próprio imposto.”
Sem recursos para manter a conservação das casas a prefeitura de Luziânia aluga alguns imóveis na Rua do Rosário, entre eles está a Casa da Cultura de Luziânia (foto 3) Rui Carneiro, que contém acervo cultural e literário. A casa está fechada para reforma há vários meses aguardando licitação. Com um século e meio de existência, este casarão pertenceu a Saturnino Meireles e Olívia Palestino que, passando de geração em geração, hoje pertence à sua filha Hortobia Meireles Leite.
Casa Da Cultura
Na tentativa de salvar o que resta do patrimônio arquitetônico colonial de Luziânia, proprietários têm se ocupado em promover com seus próprios recursos a restauração de seus imóveis, com o intuito de não só resgatar a exuberância de outrora, como principalmente, de reiterar seu amor e admiração à memória de seus antepassados e à história de Luziânia. O que se percebe aqui, é um imenso desejo por parte dos moradores mais antigos da rua ou de seus herdeiros que cresceram em um local histórico, marcado pelas rodas de carros-de-boi, em ver as terras em que viveram seus ancestrais valorizadas, resguardadas e revitalizadas. É o resgate de tradições, o compromisso com o passado, a saudade de um tempo que não viveram, não viram, mas que está ali, impregnado em cada paralelepípedo, em cada pedra de cada muro, nas fachadas das casas, nos quintais, na memória da cidade. Saudade não tão somente da exuberância do estilo barroco, da riqueza dos ornamentos, da madeira maciça dos portais, mas saudade simplesmente, da época da inocência, do pudor, dos modos gentis e cavalheirescos, das conversas nos batentes, do chá da tarde, do caminhar pela madrugada sem medo, dos garotos jogando bola e das meninas brincando de boneca.
Igreja do Rosário
IGREJA - A Igreja do Rosário (foto 4) data de 1769. Foi construída para o público de negros livres e escravos, pois temiam algum movimento de insurreição que poderia ocorrer a qualquer instante, pois a participação dos negros na população local já se encontrava em mais de 400 pessoas. Sua construção tinha o objetivo de evitar possíveis revoltas, incentivando a manifestação religiosa dos negros. Sua frente é voltada para a direção de São Paulo – por que uma Igreja para os brancos era voltada para o nascente enquanto a que era para os negros se voltava para São Paulo?
A Igreja do Rosário é a que mais mexe com a curiosidade dos moradores e visitantes por causa de lendas que dizem que há ou havia ouro debaixo dela – não se sabe se era ouro enterrado pelos escravos ou se era ouro não garimpado. Dizem ainda que existem, enterrados nos porões, restos mortais de escravos. Além disso, o templo abriga sob o piso de madeiras largas, 87 túmulos enumerados. Era costume enterrar ali as pessoas ilustres da cidade. A Igreja do Rosário já passou por várias reformas e já chegou até a ficar interditada por causa de risco de desabamento. Em 13 de dezembro de 2000 houve sua reinauguração com celebração de missa. No segundo semestre de 2010 foi interditada novamente, para uma nova restauração. Porém, rachaduras pelas paredes e telhado são visíveis e vez ou outra precisa de restauração.

Fonte: Jornal O Mensageiro



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